COM QUE ROUPA EU VOU?

Dias desses, ao examinar a Internet, fui avisado de que o Ministério Público de Mato Grosso do Sul, para a prova objetiva do seu processo seletivo de ingresso na instituição, exigiu dos candidatos em edital que comparecessem “ao local da prova trajando: homens com terno ou camisa e calça social, e mulheres com traje social ou terno, munidos do cartão de inscrição, do documento de identidade com fotografia recente, recibo de inscrição e caneta esferográfica azul” (grifei).

Isso me faz recordar da oportunidade que tive – e, infelizmente, não exitosa – de prestar para o ingresso na Magistratura paulista, em 2004. Começo dos meus estudos, não experiente ainda no meio concurseiro, lá fui até a capital do Estado fazer minha inscrição. De paletó e gravata. Para mim, que sou advogado, nunca foi complicado o bastante vestir o “uniforme de trabalho”. Daí, do mesmo modo, eu fui fazer a prova objetiva, experiência essa que nunca mais me fez esquecer sobre o assunto “usufruto vidual”, que aprendi ao conferir o gabarito com a respectiva resposta correta. Tenho de admitir: embora o tempo estivesse nublado em São Paulo, a experiência foi “quente e apertada” demais para que a prova fosse executada de modo confortável.

Evidentemente, não se deseja discutir aqui o mérito de tão distintas carreiras públicas, como a Magistratura e o Ministério Público, nem como se constrói a imagem de ambas perante a sociedade. Não me atreveria a isso. Naturalmente, para profissões como estas, autênticos sacerdócios, o decoro e a dignidade são características inerentes. Lembro-me que “decoro” e “dignidade da profissão” foram precisamente as justificativas, naquele edital, para exigir que os candidatos comparecessem ao local de realização da primeira fase do concurso. Isso, inclusive, é observado em outros tipos de certames, como os concursos militares: não se entra de bermuda, ou saia curta, numa unidade militar para a realização do exame intelectual, e os candidatos militares da ativa só podem comparecer às provas se estiverem devidamente fardados.

Busca-se reflexão sobre a exigência: uns a têm por descabida, argumentando principalmente sobre o conforto necessário a uma prova que exige bastante preparo intelectual e emocional, e que requer um estado corporal e ambiental razoável para que o desempenho seja aceitável; outros a valorizam, não apenas pelas razões de dignidade e decoro da profissão, mas sim pelo prestígio de se submeter a uma prova como a de ingresso nessas instituições.

Uma das recomendações que mais ouvimos, para bem realizar provas de concursos públicos, é “usar roupas leves” e, definitivamente, leveza não combina com paletó ou sapato social. Sugere-se que o corpo também respire, e o tecido da camisa ou do tailleur não é confortável o bastante para isso.

Nos dias de hoje, o que se defende é a simplicidade, tanto de gestos quanto de atitudes e, por que não dizer, de modos de se vestir. O que se tinha como luxo na década passada não é o mesmo parâmetro de hoje: modos e manias se alteram constantemente e, desde que valores centrais não sejam afetados, não haveria problema em se flexibilizar algumas ideias em benefício de candidatos que precisam obter alta produtividade num momento para o qual gastaram anos de estudo e dedicação quase que exclusiva. Exemplo disso é o que empresas da iniciativa privada costumam fazer às sextas-feiras, liberando os funcionários para se trajarem esporte, de modo mais flexível, sem terem de usar o esporte fino, passeio ou mesmo o passeio completo. A produtividade aumenta, o desempenho é melhor aferido, e o grau de satisfação é elevado. Abusos, no entanto, são coibidos com justiça, para que justamente o decoro e a dignidade da função não sejam violados: afinal, não se confundem liberdade e liberalismo.

Nisso entende-se que, a menos que o objetivo central seja mais a imagem do que o conteúdo, ou a estampa em detrimento do desempenho do candidato, a exigência de traje formal se justifica. Do contrário, pode-se concluir que a flexibilidade é bem vinda, até mesmo porque há diversos candidatos que, além de terem de pagar um pesado investimento com materiais de estudo, vultosas taxas de inscrição, deslocamentos e outras despesas necessárias, ainda precisam se trajar conforme o exigido em edital. Nota-se outro tipo de comportamento excludente para o candidato, até mesmo porque, com todo respeito, há bancas que não sabem mais o que exigir para filtrar os postulantes a um cargo público.

Decerto essa determinação não é muito isonômica, mas, se solicitada, que o concurseiro aprenda a “dançar conforme a música”, usando-se da “teoria do consumidor”, tratando a banca examinadora como a dona da razão. Obstáculos devem ser vencidos, e não é uma forma de se trajar que vai definir o futuro de um candidato sério. Dignidade e decoro devem estar mais dentro do que fora de um aspirante a cargo público.

RESUMO DA ÓPERA – O decoro e a dignidade de uma profissão se medem mais por valores internos do que externos. Assim, entendemos que a exigência de traje que observe ambos os atributos citados pode ser feita, desde que haja equilíbrio, priorize a finalidade do certame, e proporcione condições mínimas para um bom desempenho do candidato. Exageros são excludentes, ferem a isonomia, e geram insatisfação de quem, por vezes, luta anos para o preparo e acaba tendo de produzir mesmo que sob condições um tanto desfavoráveis.

CLEBER OLYMPIO, concurseiro que, embora produza sob pressão, também gosta de um mínimo de conforto para um bom desempenho.

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